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Os dois líderes compartilham uma afinidade pela política externa do tipo ‘homem forte de grande potência’. Isso está funcionando — por enquanto

Oh, que guerra comercial adorável. Os Estados Unidos e a China puderam testar suas pesadas armas tarifárias e embargos sem causar danos significativos um ao outro. E então, em sua reunião de cúpula na Coreia do Sul na quinta-feira, os líderes dos dois países deram um passo atrás em relação à “desacoplagem” econômica que muitos analistas vêm prevendo há quase uma década.

“Ambos os lados viram o que uma desacoplagem real significaria. Eles olharam para o precipício e decidiram: ‘acho que não’”, explica Christopher Johnson, ex-analista-chefe da CIA para a China, que agora dirige a China Strategies Group, uma empresa de consultoria. Esse “remendo temporário” dará a cada governo um respiro, disse ele em entrevista.

Os críticos de Donald Trump argumentarão que isso foi um “TACO” chinês — o acrônimo de “Trump sempre se acovarda” — pois o presidente concordou em suspender a imposição de tarifas de 100% sobre Pequim, que até ele admitiu serem “insustentáveis”, e estabeleceu uma taxa mais baixa. Trump recuou depois que a China concordou com uma pausa de um ano em seu embargo potencialmente devastador sobre minerais raros, dos quais detém quase o monopólio. A China mostrou que poderia negar a Trump o “domínio da escalada” com seus controles de exportação, argumenta Johnson.

Mas, para mim, a cúpula parece mais um ganho mútuo, como os chineses gostam de dizer, do que uma derrota para Trump. Os dois lados mostraram sua força, assustaram os mercados financeiros o suficiente e, então, chegaram a um acordo temporário parar abrir caminho para o que Johnson prevê ser um ano de cúpulas com visitas recíprocas à China e aos Estados Unidos.

Como diz o ditado francês: “Seule le provisoire dure”, ou só o temporário dura. Isso parece se aplicar às duas principais superpotências mundiais, mais bem servidas pela preservação do status quo do que por algum “grande acordo” que poderia ser perigoso para ambas.

Trump descreveu a reunião com sua hipérbole característica. “Eu diria que, em uma escala de 1 a 10, sendo 10 o melhor, a reunião foi um 12”, disse ele a repórteres no Air Force One ao deixar a Coreia do Sul. Me impressiono ao observar Trump e Xi manobrando neste momento com o quanto eles compartilham o gosto pelo governo autocrático e personalista, mas trazem para ele personalidades, valores e experiências radicalmente diferentes.

Os dois compartilham uma obsessão por seu lugar na história e são fanáticos promotores de si mesmos. Como Trump, Xi é um propagandista incansável. Os cinco volumes de seus discursos e escritos coletados são conhecidos como “O Pensamento de Xi Jinping”.

“ Xi claramente se vê como um homem do destino, o mais recente guardião da civilização chinesa, cuja missão é guiar seu país no caminho da renovação nacional”, argumenta Joseph Torigian, professor da American University e autor de “The Party’s Interests Come First” (Os interesses do partido vêm em primeiro lugar), uma brilhante biografia do pai de Xi. Trump também se vê como um instrumento de renovação nacional que, como proclamam milhões de seus seguidores de boné vermelho, “tornará a América grande novamente”. ”

No entanto, as diferenças entre eles são gritantes: um presidente parece se deleitar com a corrupção, o outro a vê como um veneno que poderia destruir o controle de seu partido; um seguiu um caminho dourado para o poder como filho de um magnata do setor imobiliário; o outro sofreu terrivelmente durante os anos de purga da década de 1970; um joga no curto prazo, com políticas extremamente oscilantes; o outro, um jogo de longo prazo baseado em planos meticulosos e objetivos claramente articulados.

Enquanto Trump é um disruptor que usa suas decisões erráticas e impulsivas como armas de barganha, Xi é um executor disciplinado e implacável. Mas Lingling Wei, uma importante repórter do Wall Street Journal na China, argumentou recentemente que Xi aprendeu com suas interações com o bombástico Trump e adotou um código equivalente, como diz o título de sua matéria, “bater forte, ceder pouco”.

As delegações dos EUA e da China se reúnem em Busan, na Coreia do Sul Foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFP

O fato mais improvável que os dois homens têm em comum é estarem em guerra com a classe governante abaixo deles. A estranha posição de Trump como bilionário populista travando uma guerra contra o que ele considera a elite do “estado profundo” é bem conhecida. Menos conhecida é a campanha de Xi para eliminar o que ele considerava corrupção e fraqueza que enfraqueciam as elites do partido, das forças armadas e da inteligência.

Xi prometeu em 2012, ao ascender ao poder, que lutaria “contra tigres e moscas ao mesmo tempo, investigando resolutamente os casos de violação da lei por parte de altos funcionários”. Um ex-funcionário da inteligência dos EUA me disse que, em uma reunião inicial com outros líderes do partido, Xi colocou uma pasta azul na frente de cada um deles, documentando a corrupção de seus parentes. Desde 2012, os inspetores do partido de Xi disciplinaram mais de 6,2 milhões de pessoas, segundo o Wall Street Journal. O número de pessoas investigadas por infrações aumentou de cerca de 180.000 em 2013 para 889.000 no ano passado.

A purga tem sido especialmente feroz nas forças armadas chinesas. Xi percebeu que os oficiais superiores do Exército Popular de Libertação estavam conseguindo seus cargos subornando superiores e, em seguida, extorquindo pagamentos semelhantes de seus subordinados. Em 2023, Xi removeu dois comandantes de alto escalão da Força de Foguetes do Exército Popular de Libertação; no ano seguinte, expurgou dois ex-ministros da Defesa. Este mês, pouco antes de uma grande reunião plenária do partido, ele demitiu mais nove comandantes de alto escalão, incluindo o general que chefiava o Comando do Teatro Oriental, que supervisiona as operações em Taiwan.

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Christopher Garman analisa a rivalidade entre Estados Unidos e China e a disputa por terras raras. Crédito: Daniel Gateno

Um símbolo da guerra de Xi contra a corrupção militar é sua escolha do general Zhang Shengmin, o principal inspetor anticorrupção das Forças Armadas, como vice-presidente da Comissão Central, chefiada pelo próprio Xi. Ele disse em 2014, quando começou a purgar os militares, que quando lia relatórios sobre a corrupção no PLA, “sentia um profundo nojo e muitas vezes não conseguia evitar bater na mesa. ... Se o exército é corrupto, não pode lutar”.

O que vem por aí agora? Para Johnson, Trump busca buscando um relacionamento com Xi que reflita o do presidente Ronald Reagan com o líder russo Mikhail Gorbachev. Para chegar lá, ele teve que diminuir a tensão. Suas instruções ao secretário do Tesouro, Scott Bessent, foram: “Vamos fazer um acordo”, diz Johnson.